quinta-feira, 1 de maio de 2014

Charles Chaplin (sobre o advento do cinema falado)


Quando estava em Nova York, contou-me um amigo que assistira a experiências de sincronização do som nos filmes e preconizou que em breve isso revolucionaria toda a indústria do cinema.
Só voltei a pensar no assunto quando, meses depois, a Warner Brothers produziu sua primeira sequência falada. Era um filme de época, mostrando uma atriz sedutora - deixemo-la no anonimato - que expressava em silêncio a mais profunda tristeza, os grandes olhos doridos revelando uma angústia que ia além da eloquência shakeaspiriana. Então, de súbito, introduziu-se no filme um novo elemento - a zoeira de um buzio que se encosta ao ouvido. E a adorável criatura, uma princesa, falou como se tivesse areia na garganta: "Desposarei Gregory, mesmo que tenha de renunciar ao trono!" Foi um choque medonho, pois até aí a princesa nos elevara. À medida em que a projeção avançava, o diálogo foi-se tornando cada vez mais cômico, porém não tão engraçado quanto os efeitos sonoros. Quando girou a maçaneta da porta de um boudoir, tive a impressão de que alguém pusera em funcionamento um trator agrícola; a porta fechou-se com um barulho igual ao da colisão de dois caminhões carregados de toros. É que de início nada se sabia sobre controle de som: um cavaleiro andante em sua armadura era mais estridente que um aciaria, um simples jantar de família tornava-se tão rumoroso como um restaurante barato na hora de maior movimento, a água despejada num copo toava esquisitamente como uma escala que subisse até o dó sustenido. Deixei a sala de projeção na crença de que os dias do cinema sonoro estavam contados.
Mas, um mês depois, a M.G.M. produziu Melodia da Broadway, um musical de longa-metragem, coisa reles e enfadonha, mas que foi enorme sucesso de bilheteria. Era a largada... De um dia para o outro, todos os cinemas começaram a equipar-se para o cinema sonoro. Foi o crepúsculo das fitas silenciosas. Dava pena, porque elas começavam a melhorar. Murnau, o diretor alemão, soubera usar na maneira mais eficiente esse meio de expressão e alguns dos nossos diretores americanos iam pelo mesmo caminho. Um bom filme silencioso constituía atração para qualquer plateia, da mais intelectualizada à mais simples. E isso tudo estava agora para se perder.

(Charles Chaplin em "Minha Vida")

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