terça-feira, 18 de março de 2014

La Pointe-Courte de Agnes Varda (1955)


direção: Agnes Varda;
roteiro: Agnes Varda;
fotografia: Louis Soulanes, Paul Soulignac, Louis Stein;
editor: Alain Resnais;
estrelando: Philippe Noiret, Silvia Monfort.

Logo após o término da segunda guerra, em um momento em que a economia europeia se encontrava em frangalhos, a ideia de produzir filmes de baixo orçamento começou a ganhar corpo, atraindo muitos aspirantes a diretores que não encontravam lugar ao sol dentro da indústria cinematográfica de seus países, nem se beneficiar de uma produção com altos orçamentos. Na França este pensamento foi primeiro tomado por Jean-Pierre Melville que filma seu primeiro longa-metragem, O silêncio do mar, com orçamento baixíssimo - algo em torno de 9 milhões de francos em uma época em que o custo médio de um longa-metragem contornava os 50 milhões. O filme foi mais tarde um sucesso de público, rendendo um belíssimo retorno financeiro.

Alguns anos mais tarde, em 1955, Agnes Varda que então trabalhava como fotógrafa profissional, tomou para si a iniciativa de filmar um longa-metragem nos moldes daquele que Melville havia feito. Seu projeto era de filmar em um vilarejo de pescadores chamado Pointe-Courte, e que daria nome ao filme. Para a gravação, Varda prefere não se relacionar com o Centro Nacional de Cinematografia (CNC) para baratear a produção de seu filme feito em cooperativa entre equipe e elenco. O filme custa 7 milhões, mas não dá retorno algum. O CNC o considera um filme amador, mesmo tendo sido filmado em 35mm, o que impede a estreante cineasta de exibir seus filmes nos cinemas. Michel Marie, em seu estudo sobre a nouvelle vague, tem que este foi um ponto importante que mostrou para os futuros diretores a importância do distribuidor para o sucesso de um filme. La Pointe-Courte ficou sem ser exibido no circuito comercial, tendo uma única exibição num cinema de arte, mas que não foi suficiente para dar qualquer retorno financeiro à empreitada.


O filme em si é uma obra impressionante. Varda nos dá algumas das características mais marcantes da nouvelle vague antes mesmo da eclosão do movimento. Temos duas histórias que caminham em paralelo: um casal casado há cinco anos que se encontram no vilarejo onde ele (Philippe Noiret) cresceu e que sua esposa (Silvia Monfort) nunca havia visitado, e a vida dos pescadores que são impedidos de pescar pela guarda costeira.

A parte dos pescadores nos apresenta um grupo de atores não profissionais, escolhidos entre a população local, para interpretar a eles mesmos, seu cotidiano. São as histórias acontecendo nos lugares em que elas acontecem. Este trabalho é o que quiseram fazer os cineastas posteriores ao neorrealismo italiano quando viram este trabalho ser feito pelos pioneiros Roberto Rossellini e Vittorio de Sica. O caráter documental dado pela câmera de Varda a esta parte do filme é inegável, temos a sensação de estar naquelas casas vendo a vida daquelas pessoas. Já na parte em que acompanhamos o casal, que é interpretado por dois atores profissionais, o filme já nos apresenta um trabalho muito mais trabalhado, em que a composição do quadro é cuidadosamente estudada.


Encontra-se uma batalha entre estilos de filmar. Em um momento temos a utilização de não atores e uma filmagem mais espontânea, de outro temos os atores, com sua atuação milimetricamente estudada para que possam ser compostos os quadros tais como a diretora os quer. É uma batalha silenciosa que se apresenta entre a leveza do naturalismo dado à história dos pescadores e o peso dado pela construção teatral tradicional de um filme, em que as imagens clamam por uma representatividade metafórica. Enquanto a esposa julga conhecer seu marido, sem conhecer suas origens, Varda nos mostra que o cinema julga conhecer as pessoas contando-nos suas histórias nos estúdios, enquanto as pessoas estão vivendo estas histórias nas ruas. A esposa acha que conhece tão bem seu marido que poderia ser ele, mas não conhece uma parte importante de sua história, o lugar de onde ele veio e que o moldou. O cinema vai pelo mesmo caminho: ele acha que pode representar - e em algumas concepções até mesmo reproduzir - a vida, mas desconhece as origens das histórias que está a contar, dos personagens sobre os quais estão falando.

Varda em seu debute no cinema nos apresenta uma obra madura e belíssima que vale a pena ser vista com muito cuidado por aqueles que amam o cinema como forma de expressão artística e não como mero divertimento.

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