segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Uma Breve Introdução ao Cinema de Alfred Hitchcock 3





O trabalho do cineasta que faz um filme de suspense não é somente o de contar uma história através das imagens, mas também saber como lidar com o tempo. Como diria Jean Epstein, o cinema é uma máquina de fazer tempo. Fazer tempo significa saber moldá-lo, não somente repetir o tempo fenomênico. O trabalho de um cineasta em um filme de suspense deve ser o de saber dilatar o tempo. Na cena em que mostro para o espectador de que existe uma bomba debaixo da mesa, quanto tempo deve levar para que o espectador veja a bomba e o momento em que percebem que há uma bomba? E entre o momento em que descobrem a bomba e o momento em que decidem o que fazer com ela?

No cinema o tempo pode ser dilatado. Um segundo não precisa levar necessariamente um segundo. Aquele segundo entre a bomba explodir e o herói do filme desliga-la pode durar um pouco mais de tempo. É o tempo que o diretor do filme precisará para entrar na mente do espectador e ditar o que ele deve sentir naquele momento. É neste momento em que o espectador fica perturbado por não poder fazer nada além de ficar sentado em sua cadeira esperando aquilo chegar ao fim.

Todo este trabalho era ignorado pela crítica que não possuía qualquer conhecimento sobre cinema. Na época os teóricos de cinema começavam a surgir, mas ainda não haviam conquistado as universidades, ao contrário dos séculos de teoria literária e de teoria de teatro que já existiam. Era muito mais fácil pegar todo este conhecimento que já estava pronto e aplica-lo ao cinema. Na década de 1950 surgem os críticos franceses de diversas revistas influenciados por Henri Langlois, diretor da cinemateca francesa, em que os filmes antigos começavam a ser exibidos. Neste primeiro momento começaram os estudos sobre cinema, os primeiro ensaios críticos sobre as obras e movimentos que já existiam ou que estavam acontecendo. antes, a teoria de cinema era realizada por cineastas que queria dar um caráter ao cinema que faziam. Agora ela passou a dar um caráter a todo o cinema.

Neste meio, as obras de Hitchcock foram redescobertas. Os críticos passaram a assistir suas obras de perto e com bastante atenção, até notarem as particularidades presentes no cinema do cineasta e que o transformavam naquilo que alguns destes novos críticos chamavam de “cinema de autor”. Ainda na década de 1950 dois jovens, que mais tarde viriam a tornar-se dois fundadores do movimento que rejuvenesceu o cinema francês, a nouvelle vague, escreveriam um ensaio sobre o cinema de Hitchcock: são eles Claude Chabrol e Eric Rohmer.

Poucos anos depois, François Truffaut, um dos responsáveis pela “teoria do cinema de autor” faria uma entrevista a Alfred Hitchcock com 500 perguntas que foram transcritas para um livro. O livro gerou certo escândalo entre os críticos estadunidenses que a sua publicação seria pior para a imagem de Truffaut (que tinha como intuito transformar a imagem de Hitchcock de cineasta comercial para artista) do que seu pior filme. Os comentários não poderiam estar mais enganados. Após a publicação do livro, o culto em torno da figura de Hitchcock somente cresceu. Seus filmes são estudados nos mais diversos campos do conhecimento (da teoria de cinema à psicanálise), sendo que um deles conseguiu destronar “Cidadão Kane” da posição de melhor filme já feito (lugar que ocupava há 40 anos).


quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Uma Breve Introdução ao Cinema de Alfred Hitchcock 2



Mesmo sendo mal visto pelos críticos, Hitchcock seguiu fazendo seu cinema. O apelo comercial dos filmes somente fazia tê-lo certeza de que havia algo de certo no trabalho que ele vinha fazendo. Ele conseguia assustar os espectadores com o uso de suas imagens, sem precisar dos recursos estilísticos hoje utilizados nos filmes de terror (litros e litros de sangue, cenas de mutilação...). Tudo do que ele precisava era de um mocinho em perigo e nos fazer ciente disso.

O conhecimento sempre foi o problema para a humanidade. Por isso que François Truffaut faz a famosa pregunta para o cineasta: “você se considera um cineasta católico?”. O primeiro crime do homem foi ter comido o fruto do conhecimento do bem e do mau, e no cinema é justamente o que fazemos. Sentamos na cadeira e nos é mostrado o que é o bem e o que é o mau. Torcemos para o bem, mas o mal está sempre a espreita. Vemos o mal agir. Este é o suspense. Vemos o mal agir e ficamos paralisados. Ele está atrás do mocinho da história e nós sabemos e não podemos fazer nada para ajudá-lo. Este é o suspense. O suspense é criado quando existe uma bomba debaixo da mesa pronta para explodir, mas os personagens pelos quais torcemos não sabem.


Tudo isso, um cineasta deve mostrar através das imagens. As imagens perturbam o espectador. São as imagens que ficam em sua mente. Qual seria a graça de vermos um filme em que existe uma bomba pronta para explodir debaixo de uma mesa e ela é insinuada por um personagem que nem no recinto está? Todo o efeito da cena se perde. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Uma Breve Introdução ao Cinema de Alfred Hitchcock 1

No período do cinema mudo, um filme para ser considerado um bom filme deveria conter o mínimo possível de letreiros explicativos. A história deveria ser contada apenas por meio das imagens, pelo movimento ou posicionamento da câmera, dos cenários, das expressões corporais e faciais dos atores. Os letreiros explicativos demonstravam a incapacidade do cineasta de expressar algum aspecto de sua história por meio daquilo que constituía a essência do cinema, a incapacidade do cineasta de fazer cinema.

Alfred Hitchcock aprendeu a fazer cinema no período do cinema mudo. Começou fazendo os letreiros dos filmes para um estúdio inglês. Pouco tempo depois já estava passando para assistente de direção até finalmente se tornar diretor, antes mesmo de completar 30 anos de idade. Ainda no período do cinema mudo começou a caracterizar o seu modo de conceber o cinema, que ficaria mundialmente famoso. “O inquilino” é a sua primeira obra de suspense, e possui algumas das características que transformariam Hitchcock no “mestre do suspense”.


O principal deles é de que as imagens devem contar a história de um filme. Qualquer outro aspecto deve servir apenas de suporte, sendo que sem elas a história possua o mesmo impacto. A crítica da época possuía um caráter literário. Os filmes que tinham bons diálogos, com estrutura de “teatro filmado” eram os filmes bem vistos pela crítica. Mas como é que se conta uma história em que os personagens passam o tempo inteiro um de frente para o outro? Que história seria esta? Aos olhos de Hitchcock não é assim que se faz cinema.